James Dias — Sobre o poema “Lines on a Young Lady's Photograph Album” de Philip Larkin

Há uma tentação grande de ver fantasmas em fotografias. O poeta inglês Philip Larkin não parecia avesso a essa tentação. Neste poema, Larkin descreve a sua reacção face a fotografias que uma mulher que conhece lhe mostra. A mulher, rapariga nas fotografias, não corresponde bem a quem está nas fotografias (tal como o nome de casada não corresponde à mulher descrita noutro poema do mesmo autor).

A presença da rapariga depende sempre de outros elementos presentes nas fotografias: ela é “furred [herself]” em relação ao gato teimoso que segura no verso anterior; está sob uma treliça, com um chapéu de feltro ou perto de fulanos inquietantes. Apesar de o narrador afirmar que a fotografia é (“como nenhuma arte é”) “fiel e decepcionante”, o que o incomoda são pormenores das fotografias que mostram algumas coisas como realmente são (“a real girl in a real place // In every sense empirically true!”).

O ponto de viragem do poema oferece uma outra hipótese atraente sobre a natureza da presença da rapariga na fotografia: “Or is it just the past?”. Os papéis da rapariga e dos outros elementos das fotografias dos quais ela dependia são invertidos: “Those flowers, that gate, / These misty parks and motors, lacerate / Simply by being over; you / Contract my heart by looking out of date”. Apesar de ambos afectarem o narrador, a rapariga, ao contrário dos objectos, permanece (“lacerate” e “[c]ontract my heart”).

Duas estrofes depois surge uma formulação estranha: “So I am left / To mourn (without a chance of consequence) / You”. O sentimento de luto é colocado lado a lado com o que se segue: “To wonder if you'd spot the theft / Of this one of you bathing”. O narrador do poema está assim entre o sentimentalismo da ideia de que a rapariga (e tudo o que está na fotografia) está presa no passado, e o acto pouco louvável de roubar uma fotografia dela a banhar-se. Há uma grande probabilidade de que o luto que consiste em ver fotografias de alguém que ainda está vivo seja impossibilitado por esse facto (“without a chance of consequence”). E talvez fosse mais prudente traduzir a palavra “mourn” por “lamentar”, visto que o “gap from eye to page” pode ser reduzido e mesmo eliminado ao vermos à nossa frente a pessoa representada nas fotografias. Na última estrofe, Larkin resgata a imagem da rapariga ao afirmar que ela é “[held]” pelo passado “like a heaven” e que ela permanece nelas “unvariably lovely”, de forma mais pequena, mas mais nítida com o passar dos anos.

No entanto, o que mais parece importar no poema não é bem a inversão de papéis, ou ideias sobre “o passado”, mas o facto de as pessoas dependerem de objectos e vice-versa. À falta de memórias em que participámos (como é o caso no poema), os detalhes das fotografias não servem tanto para especulação sobre o que realmente aconteceu quanto para conseguirmos aproximar as pessoas nelas retratadas ao familiar, ou seja, à realidade. Isto é conseguido através do furto de uma fotografia ou da escrita de um poema.

Winifred Arnott, c. 1951

Previous
Previous

Pedro Letria — Sobre “Estrada e Fantasmas”, de Humberto Brito

Next
Next

João Concha — Interior